A quarta-feira de cinzas é o primeiro dia da Quaresma, corrutela de Quadrigéssima, que são os quarenta dias, sem contar os domingos, que vão até o Sábado de Aleluia, véspera do Domingo de Páscoa. Para os cristãos, esse é o propício período para arrependimento, penitência e conversão, rememorando os quarenta dias que Jesus passou no deserto, e assim de preparação para a Páscoa.
Na Santa Missa dessa quarta-feira, pois, o padre marca a testa dos fiéis fazendo uma Cruz com cinzas, que só devem ser lavadas após o pôr do sol. Também é um dia de jejum.
A tradição de cobrir-se de cinzas é um antigo rito de penitência, um pedido de Misericórdia no qual a humanidade se faz consciente da efemeridade da terrena vida, evocando o castigo que Deus impôs a Adão, no Livro de Gênesis, após o pecado da desobediência: "... porque és pó, e pó hás de tornar-te." Gn 3,19
Desde muitos séculos, portanto, temos registros desse ato de fé pelo povo hebreu, como uma forma de rogar clemência a Deus. No Livro de Ester, , foi o que fez um homem de Deus, primo de Ester e irmão do rei Saul, assim como todo povo exilado, quando Assuero, o rei da Pérsia, decretou o extermínio dos judeus: "... Mardoqueu rasgou as vestes, cobriu-se com pano de saco e espalhou cinzas na cabeça." Est 4,1
E como Assuero não retrocedia em seus planos, a própria Ester, rainha do povo hebreu, adotou essas penitências: "Tomada de mortal angústia, a rainha Ester também procurou refúgio no Senhor. Deixou as roupas de luxo, vestiu-se com roupas de miséria e luto. Em lugar de finos perfumes, cobriu a cabeça com cinzas e poeira." Est 4,17a
Assim fez Tamar, filha do rei Davi, após ser abusada por seu meio-irmão, Amnon. Está no Segundo Livro de Samuel: "Então Tamar derramou cinza sobre a cabeça, rasgou seu longo vestido..." 2 Sm 13,19
Igualmente, no Livro de Judite, fez todo povo da Cidade Santa, temendo a ameaça de saques e profanação do Templo pelo exército de Babilônia: "Aqueles que viviam em Jerusalém, inclusive mulheres e crianças, prostraram-se diante do Templo com cinzas na cabeça, e estenderam as mãos diante do Senhor." Jt 4,11
Eles reforçaram a prática quando o general encampou seus soldados para a invasão: "Quando os israelitas viram aquela multidão, prostraram-se por terra e cobriram de cinzas suas cabeças, comunitariamente rezando ao Deus de Israel para que fizesse Misericórdia a Seu povo." Jt 7,4
O mesmo fez Judite, religiosa, viúva e heroína, pedindo a Deus que abençoasse seus planos para defender o povo de Israel: "Tendo eles partido, Judite entrou em seu oratório, pôs seu cilício, cobriu a cabeça com cinzas e, prostrando-se diante do Senhor, rezou..." Jt 9,1
E foi a a recomendação no Livro do Profeta Jeremias às mulheres de Israel, ao predizer os castigos de Deus, quando Ele permitiu que Israel caísse em mãos de violentos inimigos de Babilônia: "Ó filha de meu povo, veste o saco, revolve-te nas cinzas. Cobre-te de luto como se fora por um único filho, e ecoem teus amargos gemidos, porquanto de repente sobre nós vai cair o devastador." Jr 6,26
Ora, Nosso Salvador corroborou a penitência feita com cinzas, mencionando-a como eficaz mortificação no Evangelho segundo São Mateus: "Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Se em Tiro e Sidônia se tivessem realizado os milagres feitos no meio de vós, há muito tempo teriam demonstrado arrependimento, vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinza." Mt 11,21
Aliás, a penitência sempre foi uma determinação durante Sua Missão, e já nas primeiras palavras: "Desde então Jesus começou a pregar: 'Fazei penitência, pois o Reino dos Céus está próximo.'" Mt 4,17
Também era o que pregavam os Apóstolos, como se lê no Evangelho segundo São Marcos, desde a primeira missão que Jesus lhes deu: "Eles partiram e pregaram a penitência." Mc 6,12