
Foi Nosso Senhor, no Evangelho Segundo São João, que nos lembrou uma fala de Deus no Livro de Salmos, através do rei Davi, que nos diz muito mais que de filhos de Deus: "Replicou-lhes Jesus: 'Não está escrito em vossa Lei: Eu declarei: vós sois deuses (Sl 81,6)'"? Jo 10,34
E o sentido é exatamente o que se lê: essas palavras dizem o que dizem. Ou, como os fariseus, iríamos negar até mesmo que Jesus é o Filho de Deus? Pois diante de tão tacanha formação espiritual, Ele próprio viu-Se obrigado a argumentar: "Se a Lei chama deuses àqueles a quem a Palavra de Deus foi dirigida, e a Escritura não pode ser desprezada, como acusais de blasfemo Aquele a Quem o Pai santificou e enviou ao mundo, porque Eu disse: 'Sou o Filho de Deus?'" Jo 10,35-36
Porém, resta uma maior provocação: o que Deus quis dizer ao falar em fazer o ser humano a Sua semelhança? Se nesses tempos de vaidade, exibicionismo e ostentação, quando diária e acintosamente manipulamos a realidade, ser imagem d'Ele deixou de ter qualquer significado, o que dizer então da semelhança de Deus? De um colóquio entre a Santíssima Trindade, está lá no Livro de Gênesis: "Então Deus disse: "Façamos o homem a Nossa imagem e semelhança." Gn 1,26
Ora, essa é a
Graça que estava prevista pelas promessas de Deus: que, abandonando a mundana vida pela
Confissão dos pecados, mais uma vez nos tomemos parte de Sua divina essência, como a Segunda Carta de
São Pedro revelou: "... temos entrado na posse das maiores e mais preciosas promessas, a fim de tornar-vos por este meio participantes da natureza divina, subtraindo-vos à corrupção que a concupiscência gerou no mundo." 2 Pd 1,4
Invocando a citação do Livro de Levítico feita por Jesus (cf. Mt 5,48), a Primeira Carta de São Pedro exorta ao sincero acolhimento da Palavra: "À maneira de
obedientes filhos,
já não vos amoldeis aos desejos que antes tínheis, no tempo de vossa
ignorância. A exemplo da
santidade d'Aquele que vos chamou, também sede
Santos em todas vossas ações, pois está escrito: 'Sede Santos, porque Eu sou Santo' (Lv 19,2). Se invocais como Pai Aquele que, sem distinção de pessoas, julga cada um segundo suas obras, vivei com temor durante o tempo de vossa peregrinação." 1 Pd 1,14-17
E também é por isso que o Pai Celeste nos corrige, como seguidores da
tradição de São Paulo disseram na Carta aos Hebreus: "Nossos pais humanos, por pouco tempo, corrigiam-nos como melhor lhes parecia. Deus, porém, corrige-nos para nosso bem, a fim de que sejamos participantes da Sua própria santidade." Hb 12,10
Porque pela Unção do Paráclito, a Primeira Carta de
São Paulo aos Coríntios diz, passamos a
outra condição: "... quem se une ao Senhor, com Ele torna-se um só
Espírito." 1 Cor 6,17
E a Carta de São Paulo aos Colossenses diz que a santidade nada mais é que a restauração da imagem, ou mais propriamente, da semelhança de Deus: "Vós despiste-vos do velho homem com seus vícios, e
revestiste-vos do novo, que constantemente vai restaurando-se à imagem d'Aquele que o criou, até atingir o
perfeito conhecimento." Cl 3,9b-10
Pois o
Messias veio
reconciliar a humanidade com o Pai e devolver a perdida semelhança. A presença de Deus entre os homens seria anunciada "até os confins da Terra
(cf. At 1,8)", pois Ele quer Seus filhos a Sua volta, como a Carta de São Paulo aos Romanos explica: "... também os predestinou para serem conformes à
imagem de Seu Filho, a fim de que Este seja o primogênito entre uma
multidão de irmãos. E aqueles que predestinou, também os chamou; e aqueles que chamou, também os justificou; e aqueles que justificou, também os glorificou." Rm 8,29-30
Com efeito, a Primeira Carta de
São João, dizendo de Deus, referiu-se ao exercício dessa condição já nesta vida: "Nisto é perfeito em nós o
amor: que tenhamos confiança no
Dia do Julgamento, pois, assim como Ele é, nós também o somos neste mundo." 1 Jo 4,17